“Como eu dizia no Chile, pode ser um governo de merda, mas é o meu governo. O PT, só não rasgo a carteirinha porque, quando entrei, ainda era um partido sério. Enquanto eu tiver saúde, ultimamente eu tenho tido muita, eles vão saber o que é gritar” – Maria da Conceição Tavares

Nada como um grito de guerra de uma das mais respeitadas militantes petistas. É compreensível o desabafo desaforado, desbocado e desesperado da economista e ex-deputada federal Maria da Conceição Tavares, 75 anos. O que mais se ouve hoje é que é preciso “refundar” o PT. Está mais fácil “afundar”. Conceição inspirou-se em um lema de um manifestante nos tempos de exílio no Chile socialista de Salvador Allende: “Este é um governo de merda. Mas é o meu governo, merda!” O PT caminha para o ralo. Seus dirigentes se digladiam, em meio a um delicado processo de expulsão – o do ex-tesoureiro Delúbio Soares. Lula perde o sono por conta do mais tenso processo de eleição da direção do PT, daqui a duas semanas. Afinal, o partido comandará o seu projeto de reeleição: vai discutir o embrião do programa de governo e as alianças daqui a quatro meses. O ponto nevrálgico é a economia.

A esquerda vê chance de ganhar o comando do PT: os moderados do Campo Majoritário estão divididos. Na segunda-feira 29, o secretário-geral, Ricardo Berzoini, assumiu a candidatura a presidente pelos moderados criticando a política do ministro Antônio Palocci. O presidente interino do PT, Tarso Genro, exigia ruptura total com a antiga direção, simbolizada pelo ex-ministro José Dirceu, mas perdeu o duelo. Avisou que não aceitaria ser uma “rainha da Inglaterra”. Berzoini assumiu com essa pecha. O comentário geral no PT é de que muitos moderados, desconfiados e descontentes com Berzoini, podem se abster ou desovar seus votos em outros candidatos. Tem ganhado força o nome do terceiro vice-presidente, Valter Pomar, da tendência Articulação de Esquerda. O grupo ligado à ex-prefeita Marta Suplicy tem flertado com a candidatura de Pomar. Os outros concorrentes são a deputada federal Maria do Rosário (RS), o ex-prefeito de Porto Alegre Raul Pont, o ex-deputado federal Plínio de Arruda Sampaio, os dirigentes Markus Sokol e Luiz Gonzaga da Silva. Nem Tarso anunciou voto em Berzoini. Lula não queria Berzoini: chegou a ensaiar a alternativa Paulo Frateschi, presidente do diretório estadual do PT de São Paulo. Mas não haveria tempo para viabilizar sua candidatura. O ministro Jaques Wagner, da Coordenação Política, chegou a propor o adiamento da eleição.

Berzoini entrou na disputa atirando. “Se o Brasil trabalhar com a idéia de que inflação baixa, superávit primário alto e dívida interna sob controle são fins e não meios, teremos governos medíocres para a eternidade”, afirmou Berzoini, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Disse ainda que o PT não aceitaria que Lula concorresse à reeleição reeditando a Carta ao Povo Brasileiro: lançado em junho
de 2002, o documento acalmou o mercado ao prometer manter o superávit primário (economia de gastos para pagamento de juros da dívida), necessário para impedir que a dívida interna corroesse a confiança na capacidade do governo petista de honrar seus compromissos. No início de agosto, Palocci enviou ao PT documento defendendo aumento do superávit dos atuais 4,25% do PIB para 5% do PIB. O
partido rejeitou a idéia.

Porta-voz – Vocalizando a preocupação de Lula, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, reagiu: “Quer dizer que vamos lançar Lula com um programa contra o governo dele? Isso transformará o nosso candidato a presidente, seja Lula, seja qualquer outro, num nome de oposição a este governo. Não vejo como vamos nos apresentar perante a sociedade numa situação contraditória como esta.” A antiga direção, menos crítica a Palocci, elaborou uma tese que apóia o ajuste fiscal e não propõe mudanças nas metas de inflação. As teses são documentos que traçam o eixo de ação do partido e serão votadas no encontro nacional em dezembro. De lá sairá o embrião do programa de governo do PT em 2006.

A 14 meses da eleição, o clima entre Planalto e PT é tenso. “A política econômica tem alta credibilidade e é um dos pilares de sustentação do governo Lula. O PT, sim, é que está num momento de baixa credibilidade”, atacou Paulo Bernardo. Tão baixa que começou a debandada: o ex-ministro da Educação, senador Cristovam Buarque (DF), e os deputados federais André Costa (RJ) e João Alfredo (CE). O filósofo italiano Norberto Bobbio dizia que não há soluções definitivas na história. Tarso Genro ilustra seu site na internet com a frase de Bobbio: “O que o labirinto nos ensina não é onde está a saída, mas quais os caminhos que não levam a lugar nenhum.” Até agora, o labirinto não ensinou nada ao PT.