31/03/2023 - 9:30
“Que dia é hoje?”. Era o dia 27 de uma missão que terminará apenas no 100º quando a reportagem da ISTOÉ entrou em contato com o cientista Joe Dituri, de 55 anos, que está desde o dia 1º de março confinado em um alojamento submerso a nove metros de profundidade em Key Largo, na Flórida. Ele quer bater o recorde vivendo até 9 de junho embaixo da água, para um estudo científico: pesquisar como a exposição de longo prazo à pressão aumentada afeta o corpo humano. Além disso, lidera análises sobre a conservação dos oceanos. Desde que submergiu, é possível acompanhar a façanha pelas redes sociais, onde ele se apresenta como Doctor Deep Sea – “doutor do mar profundo” em tradução livre. E ele mostra tudo: de um tour por sua cápsula de 30 m2 aos efeitos da pressão em objetos e alimentos. Lá, por exemplo, uma banana explode. Situações como essa despertam a curiosidade. E nisso há uma propósito de vida do engenheiro biomédico: incentivar a próxima geração de crianças a entrarem no mundo da ciência. “Não estou aqui pelo recorde, estou para viver no oceano. Aqui, posso ver coisas que ninguém viu ou já fez. Por sinal, já colhi amostras biológicas de um organismo que, creio, era desconhecido até agora. E isso estava lá fora, existindo neste exato lugar”, narra.
Dituri tem fascínio pelo tema. Veterano da Marinha dos Estados Unidos, ele é pesquisador no campo da medicina hiperbárica e foi num convite de James Cameron, diretor de Titanic e Avatar, que passou a investigar os mistérios da região oceânica. “Em 2012, recebi uma ligação dele pedindo que eu desse uma olhada em seu submergível”, relembra. O cineasta mergulhou nas profundezas do Pacífico para o documentário Deepsea Challenge. Nessas explorações, o cientista se deparou com uma amostra de DNA de um organismo que poderia ter a cura parcial do mal de Alzheimer. “A partir dessa descoberta, eu disse: ‘tudo o que precisamos para existir neste planeta está no oceano’”, enfatiza. A ideia da estada submersa surgiu aí. Em 2014, dois biólogos do Tennessee ficaram 73 dias debaixo da água, recorde atual.

O desafio foi batizado de Projeto Neptune 100 e acontece no Jules’ Undersea Lodge, laboratório de pesquisa subaquática. Com financiamento da Marine Resources Development Foundation, serão meses de estudos em ciências médicas e marinhas. O aquanauta pode sair de seu alojamento para explorar o ambiente ao seu redor, pois recebe médicos e especialistas para visitas científicas. Outro dia esteve com uma oceanógrafa com foco em esponjas do mar.
Diariamente, o residente das águas acompanha a própria fisiologia. “Faço minhas pesquisas de sangue, saliva… Controlo tudo. Estou aqui há pouco mais de 20 dias, ainda é cedo para dizer algo”, avalia. “Mas há uma coisa dos primeiros efeitos colaterais: aqui você urina com frequência e urgência”. Os controles são periódicos: massa corporal, estudo do sono e análises que vão da vitamina D à saúde mental, acompanhada com rigor. “Fiz todos os testes psicológicos antes de vir para cá, faço agora e farei depois. Teremos um bom material”, ressalta.
Tudo em nome da medicina hiperbárica, pois Dituri crê que terá melhor saúde no aumento da pressão. Isso pode impactar no que já sabemos acerca de longevidade e prevenção de doenças associadas ao envelhecimento. Especialistas concordam. O médico hiperbarista Rodrigo Simões Castilho, do Centro Avançado de Tratamento de Feridas da Rede Mater Dei de Saúde, considera novos horizontes. “Talvez mude a forma de pensar sobre submeter pacientes a tempos mais longos no ambiente de maior pressão. Claro, se os benefícios forem superiores aos riscos”, diz. Ele aponta o aumento de nitrogênio no corpo como um ponto a ser acompanhado pelo norte-americano. “Não sabemos se isso acarretará algum efeito maléfico em longo prazo”, observa. A questão apontada por Dituri de que curas estão no meio marinho não é uma certeza só dele. Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, da Fundação Grupo Boticário, endossa o potencial biotecnológico. “É o lugar de maior diversidade do mundo, com espécies sequer conhecidas ou estudadas. A possibilidade de obter novos fármacos é grande. Por isso, a importância da preservação dos oceanos, pois podemos estar destruindo nossa salvação”, finaliza o professor.

Isolamento controverso
O Projeto Neptune 100 protagonizado por Dituri remete ao Biosfera 2, realizado nos anos 1990. Na ocasião, oito pessoas passaram dois anos trancados em uma redoma de vidro construída no Arizona, Estados Unidos. A proposta científica não permitia contato com o mundo exterior. Embora tenham colhido dados interessantes sobre metabolismo humano sob condições severas, a vivência foi considerada um fracasso. Em pouco tempo, a falta de recursos resultou em escassez de oxigênio e fome. Eles brigaram entre si, colocando o investimento de US$ 350 milhões em risco. Curiosidade: o produtor de TV holandês que criou o Big Brother diz ter se inspirado nesse projeto. No caso de Joe Dituri, ele não está totalmente só. “Recebo cientistas e consigo mergulhar ao redor. Mas, sim, este também é um experimento de confinamento, porque estou em um ambiente pequeno”, diz. Professor na Universidade do Sul da Flórida, ele segue dando aulas a distância. A internet é aliada. A conversa com a reportagem aconteceu via chamada de vídeo. “É bom poder fazer esse tipo de coisa, e interagir. Eu já estive no Brasil algumas vezes, viu?”, disse ao se despedir.